#devaneios: Almofada-mobile (ou um texto para as pessoas que choram no carro)

6/29/2017

Dei por mim a pensar que o carro é um  sítio em que choro com frequência, por comparação a outros sítios onde os seres humanos podem chorar. 
Abre porta, senta, fecha porta e imediatamente se soltam as safadas das lágrimas, umas vezes mais discretas, outras com bastante intensidade. Já dei por mim a chorar enquanto conduzo (aparentemente prefiro viver o drama em movimento) depois de um ou vários episódios (sim, por vezes são várias situações que geram tensão num dia só... a minha vida é nitidamente uma animação...) como situações de stress no trabalho, desilusões relacionais,  confrontos profissionais, discussões com meninos (uso intencional da palavra!), raivas passageiras ou simplesmente devido àquela TPM básica que nos deixa com as emoções à flor da pele e que se traduz na choradeira do "vou ficar tão gorda depois de ter comido aqueles três chocolates!!!" (ninguém é muito racional nestes momentos da sua vida, certo? ). 
Faço uma pequena pausa para explicar que não sou assim tão emocional, sensível ou como se diz cá no Norte, "chorinhas". Sou até muito equilibrada a nível emocional e este relato advém de anos de constatações, o que dota esta minha reflexão de alguma credibilidade quase científica.
Portanto, o carro para além das suas funções habituais e sobejamente conhecidas e para além das funções idiossincráticas que cada um de nós lhes dá (armazém, closet, central telefónica, escritório, restaurante, discoteca/estúdio de gravação, confessionário, etc. etc. etc.) tem uma outra função: almofada-mobile. O nome é inspirado naquelas situações novelescas em que a pessoa chega a casa, se atira em voo picado para cima da cama e chora agarrada à almofada como se não houvesse amanhã.
Tenho de parar com isto. É um péssimo hábito. É perigoso. As lentes de contacto ficam embaciadas e sujas do choro misturado com a máscara de pestanas, sombras e afins. Qualquer fungadela mais profunda nos faz distrair da estrada. E nem vou falar da necessidade de limpar o nariz, porque chorar feita doida sim, mas mantendo as condições básicas de higiene. Donzela que é donzela em apuros não deixa escorrer ranho pelo nariz. Ranho a cair do nariz elimina qualquer hipótese de encontrar o príncipe encantado (essa personagem ridícula, mas que serve de tema para um post, por si só). E as dores de cabeça? Se são como eu, choram a sério, o que implica dores de cabeça, dificuldades respiratórias e por aí fora. Portanto, factores de risco na condução. Sobretudo se já temos alguma predisposição para não sermos certos na estrada.
Mas o pior nem é o percurso em que vamos a expiar emoções. O pior é sair do carro. Com aquelas valentes trombas de quem acabou de criar um dilúvio em que nem os animais que iam na arca de Noé se salvaram. É enfrentar o mundo. Que no meu caso, costumam ser os cinco ou seis vizinhos que oportunamente estão à espera do elevador. E que ficam a olhar para o meu ar de carpideira borratada, porque não há maquilhagem que aguente (e mesmo que tente dar um jeito antes de sair do carro, olhos e nariz inchados não enganam ninguém), num silêncio constrangedor que se prolonga na viagem de elevador. 
Portanto, tenho mesmo que parar com isto. Para as pessoas que choram no carro como eu, resta-me dar-vos um conselho, ou dois, vá: sejam contidos, esperem até chegar a casa ou outro sítio qualquer onde não tenham de estabelecer contacto com outros humanos. Ou então não. Façam uma cena passiva-agressiva a quem vos incomodou e vão para o vosso destino tranquilas. 

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