Rapariga do Apartamento do Lado

"Precisa de arranjar um algoritmo de auto-preservação - diz Ralph Messenger - A mãe tem que gostar tanto de ela própria como dos filhos para funcionar com eficiência. Está a perceber?"

(in "Pensamentos Secretos" de David Lodge).

Este excerto é de um romance que li (e reli). Neste excerto Ralph Messenger está a fazer uma sessão de acompanhamento de um dos seus alunos de doutoramento, dando-lhe o seu parecer sobre um projeto de IA em que tenta simular o afecto materno. Este romance, apesar de ter a investigação, a neurociência e a tecnologia como cenário da história é talvez um dos romances mais centrados nas relações humanas (inter e intrapessoais) que li até hoje. 

E este excerto, em particular, lembra-me da rotina do quotidiano apressado em que a maioria de nós vive. Dias após dias em que somos absorvidos pelas mil e uma coisas para fazer, o viver em piloto automático. Somos engolidos pelos dias. E quando damos conta, já passou muito tempo. Mais tempo do que gostaríamos e tantas coisas ficaram lá atrás: sonhos, oportunidades, objetivos, metas, momentos, às vezes pessoas. Outras vezes ficamos nós. Ou uma versão de nós, já que olhamos para nós mesmos, para os nossos botões e ficamos com a sensação de que perdemos algo único da nossa essência e que não sabemos se vamos recuperar. 

Acho que efetivamente, em alguns períodos da nossa vida, nos falta esse tal algoritmo de auto-preservação. Um mecanismo que nos resguarde da loucura à nossa volta. Que nos ensine a dizer não quando é preciso. Que nos impeça de chegar ao ponto de não retorno. Que nos faça pensar "podes por-te em primeiro lugar de vez em quando" e que nos permita fazê-lo sem grande culpa. Talvez esse algoritmo seja a auto-estima. Ou a auto-confiança. Ou os sonhos. Ou os nossos propósitos de vida. Ou os nossos rituais. 

Perceber o nosso próprio algoritmo de auto-preservação não é fácil. É um processo de construção e de aprendizagem, com muitos erros à mistura. Porque nós pessoas somos isso mesmo: processos em contínua actualização para funcionarmos eficientemente e preferencialmente de forma feliz... 

Aterrei num pequeno aeroporto a cerca de 100 km do meu destino e assim que sai do aeroporto num autocarro enviei uma sms para casa a avisar que tinha chegado: "Já cheguei. Isto aqui é verde e há vacas". Sim, poderia ter escrito mil e uma coisas, provavelmente mais intelectuais e sensíveis, mas foi a minha primeira impressão textual sobre a Suécia. Fiz a viagem de autocarro com alguma ansiedade, finalmente a pensar no que iria encontrar nos próximos dias. Estocolmo foi um destino escolhido por impulso, sem pensar muito, sem planeamento, sem especial expectativa ou sem constar na  minha extensa wish-list de viagens. Por vezes, as melhores viagens são as inesperadas e Estocolmo tornou-se uma das minhas cidades preferidas e um dos poucos sítios onde me imaginaria a viver.

Visitei a cidade em Junho e encontrei uma cidade vibrante, cheia de luz, verde, arte, movimento, . Estavam a acontecer mil coisas na cidade: a comemoração do Dia Nacional da Suécia, o Summerfest, um festival gastronómico, entre outros eventos. Apesar de a cidade estar em ebulição com estes eventos, há um sentido de organização intrínseco, não há caos visível. É possível aferir que há qualidade de vida. As pessoas saem do trabalho a meio da tarde e vêm gozar o sol e as muitas coisas que a cidade tem para oferecer. Apaixonei-me por esta cadência e gostava, sem dúvida de voltar.

Estocolmo é composta por 14 ilhas, ligadas entre si por várias pontes. A água, o verde e a luz marcaram a minha experiência. A deslocação pela cidade é bastante fácil, dado que tem uma excelente rede de autocarros e metro, a preço acessível (foi o meio de transporte que mais utilizei). Se um dia visitarem Estocolmo e optarem por se deslocar de metro, apreciem as estações. A maioria das estações teve uma intervenção artística e podem apreciar muitos exemplos de arte urbana numa espécie de museu sempre a pulsar (a energia dentro da estação de metro e o movimento é de um contraste total com a serenidade da cidade na superfície).

Há imensos pontos de interesse em Estocolmo e muitas atividades para experienciar, pelo que partilho uma lista dos meus locais e atividades preferidos.

Gamla Stan é o "coração" de Estocolmo e foi construída na época Medieval. Vale a pena gastar algum tempo nesta zona da cidade, a explorar as ruas até chegar à Praça Stortorget, o coração da cidade velha. Esta praça é um local histórico, onde em 1520 ocorreu o "Banho de Sangue de Estocolmo", um massacre de várias personalidades locais que estavam a organizar uma rebelião contra o poder vigente. É nesta praça que encontram o Museu do Nobel. É um museu dinâmico, interactivo e cheio (literalmente) de movimento. Existem muitas informações expostas em painéis móveis que circulam pelo espaço através de um mecanismo que está instalado no tecto do museu. Nesta zona da cidade, encontram ainda a Storkyrkan, a catedral, que merece uma visita. Encontram também o Kungliga Slottet ou Palácio Real. Infelizmente não pude visitar o interior, dado que, nos dias em que visitei a cidade, várias alas do palácio estavam fechadas ao público devido ao facto de o Rei receber naquele espaço algumas visitas de estado. Todos os dias ao meio dia é efetuada a cerimónia de render da guarda real. É algo que vale a pena ver.

Djurgarden

É a "ilha" mais verde da cidade. A ilha de Djurgarden é o local ideal para passear e relaxar um pouco ao sol, sentado na relva, a olhar a cidade do outro lado da margem. É uma espécie de parque citadino onde vale a pena estar e acolhe alguns museus interessantes.

Moderna Museet

O museu de arte Moderna de Estocolmo fica localizado na ilha de Skeppsholmen e é um espaço muito interessante, sobretudo porque o museu se prolonga para o espaço exterior, onde é possível observar esculturas de grande dimensão.

Skansen Museet

O Skansen Museet é um museu ao ar livre que retrata a vida quotidiana na Suécia, replicando casas de todo o país e partilhando aspecto da vida quotidiana. É um lugar excelente para visitar com crianças, com várias atividades vocacionadas para as mesmas. Funciona também como uma espécie de zoo/quinta pedagógica, dado que tem vários animais no espaço, como alces e ursos. Sim, ursos! Não sou a favor de que sejam mantidos animais em cativeiro, mas nunca me hei-de esquecer dos cinco "estarolas" que no seu habitat faziam as tropelias mais inusitadas!

Vasa Museet

Este é sem dúvida um dos museus mais interessantes e interactivos de Estocolmo. O Vasa era um navio de guerra do século XVII que se afundou a curta distância da costa na sua viagem inaugural. O navio foi recuperado e encontra-se preservado no interior deste museu., que dinamiza várias exposições. Sentimos-nos pequenos ao pé deste imponente navio e a primeira pergunta que nos colocamos é sem dúvida: "Como é que isto afundou???" Conselho: levem um agasalho! A temperatura do museu é muito baixa, bem como a luminosidade, para que o navio se preserve intacto. 

Passeio de Barco

Existem inúmeros cruzeiros, que fazem roteiros diversificados, não só pelas ilhas que compõe Estocolmo, mas também rumo a algumas atracções nos arredores. Optei por realizar este cruzeiro no último dia de permanência da cidade e optei pelo cruzeiro que visitava os principais pontos da cidade. Fiquei ali a relembrar o que tinha visitado, a olhar as coisas de um novo ângulo, a interiorizar tudo. Foi uma forma excelente de me despedir da cidade, mas também é uma boa forma de se ambientarem à chegada. 

Skyview no Ericsson Globe

É uma atração menos conhecida da cidade, já que fica na periferia, embora seja facilmente alcançável utilizando o metro. Aconselho a visita, se tiverem algum tempo extra para despender na cidade. O Skyview é um elevador panorâmico esférico, que permite no observar a 360º o ambiente que nos envolve e ter uma vista fabulosa sobre Estocolmo, do topo do Ericsson Globe, um edíficio esférico, onde ocorrem  espétaculos e concertos diversos. 

Mercado Salluhall

Sou uma apaixonada por gastronomia e faço sempre questão de visitar pelo menos um mercado local em cada uma das minhas viagens. É uma forma de me inspirar e de me aproximar da cultura local. O Mercado Salluhal fica situado em Ostermalm e é um pequeno mercado, cheio de charme e de bancas inspiradoras. É possível almoçar no mercado, dado que existem alguns espaços de restauração no mesmo, mas aconselho a que cheguem cedo! Neste local é possível fazer uma refeição de bastante qualidade, inspirada na gastronomia local, e a um preço acessível.

Para começo de conversa, convém esclarecer que sou uma espécie de rato do ginásio, já que por norma e em bom rigor, geralmente só não vou ao ginásio ao domingo. O exercício físico é a minha terapia. Normalmente sair do ginásio para mim, é sinónimo de me sentir feliz e relaxada, sob o efeito de uma dose generosa de endorfinas.  Costumo acabar o exercício com ar de panda, à conta de tanta máscara esborratada, mas com um grande sorriso. Mas há dias... há dias em que saio do ginásio pior do que entrei. Rabugenta. Com instintos assassinos. Com vontade de reclamar com todas as pessoas que lá estão. Isto acontece-me de vez em quando, sobretudo quando tenho um dia mau e não me apetece ver ninguém ou nos dias em que vou (muito) contrariada.

E de repente, o que é o meu habitual espaço de conforto, transforma-se apenas e só num sítio cheio de pessoas chatas e suadas.

Nesses dias, tudo é motivo para gerar irritação: as pessoas que correm afincadamente na passadeira à espera que desapareçam por magia as imperfeições que vão estragar a foto em cima da bóia flamingo deste verão, os moços que vieram ver se os braços crescem para as férias (nota mental: nunca, mas nunca treinar superiores à segunda-feira - é "Dia Mundial de o Gajo Treinar Braços e Peitoral" ), os especialistas em alimentação e suplementação que falam falam e não dizem nada de jeito e nada com fundamento, os sazonais, os moços (sim, normalmente são homens) que ocupam 3 máquinas e usam 5 halteres diferentes ao mesmo tempo e que quase te fulminam com o olhar se ousares aproximar-te meio metro, não vás tu usar uma das 54 coisas reservadas, mas que não estão a usar agora ; os velhinhos que não percebem nada das máquinas e que recorrem a ti, mesmo que estejam 5 professores desocupados em sala. Odeio as filas de espera para as máquinas, os parvos dos piropos, os pseudo-professores que acham que não sabes fazer musculação só porque és mulher e que têm sempre que opinar, o calor, o espaço demasiado cheio, a música que nesses dias tende a ser do mais horrível possível.

Ginásio bom, para mim, é ginásio vazio. Para quem treina regularmente há meses de sofrimento agudo: janeiro, maio, e setembro. Tudo isto é sem dúvida revolta por ter o ginásio a rebentar pelas costuras. Ou é só mau feitio. É nestas alturas que me apetece ir cancelar a inscrição e ser só uma maluquinha das corridas. Mas depois penso nos meus objetivos, no Pilates que adoro, no facto de ter um excelente PT , dos amigos que vou vendo por lá, nos dias bons. E volto no dia a seguir, na expectativa de metade das pessoas terem ido apanhar sol (ou outra atividade apropriada à estação). Com menos mau feitio. 

Eu, viciada em sushi, me confesso. Ultimamente tenho procurado explorar novos restaurantes e por outras paragens. Sobretudo, porque me tenho sentido muito preguiçosa no que a saídas, passeios, convívio e afins diz respeito. Até nas "idas ao sushi" me tornei preguiçosa. Tenho um restaurante próximo do meu triângulo dourado - que é como quem diz: casa, trabalho e ginásio - e que tem uma boa relação qualidade-preço e por norma dou lá um pulo ao almoço ou aproveito o take-away quando sinto cravings de sushi - o que é frequente. Levo a minha caixinha para jantar, sento-me no chão da sala e como sossegada em frente à TV (manias e o meu maior guilty pleasure!). Sushi é a minha grande paixão gastronómica, o que como sem olhar a quantidades, a restrições dietéticas e, às vezes, sem olhar a preços. Portanto, foi numa lógica de descoberta  e combate ao "sedentarismo no sushi" que um dia desta semana fui conhecer o Posto 94.  

Dei por mim a pensar que o carro é um  sítio em que choro com frequência, por comparação a outros sítios onde os seres humanos podem chorar. 

Abre porta, senta, fecha porta e imediatamente se soltam as safadas das lágrimas, umas vezes mais discretas, outras com bastante intensidade. Já dei por mim a chorar enquanto conduzo (aparentemente prefiro viver o drama em movimento) depois de um ou vários episódios (sim, por vezes são várias situações que geram tensão num dia só... a minha vida é nitidamente uma animação...) como situações de stress no trabalho, desilusões relacionais,  confrontos profissionais, discussões com meninos (uso intencional da palavra!), raivas passageiras ou simplesmente devido àquela TPM básica que nos deixa com as emoções à flor da pele e que se traduz na choradeira do "vou ficar tão gorda depois de ter comido aqueles três chocolates!!!" (ninguém é muito racional nestes momentos da sua vida, certo? ). 

Faço uma pequena pausa para explicar que não sou assim tão emocional, sensível ou como se diz cá no Norte, "chorinhas". Sou até muito equilibrada a nível emocional e este relato advém de anos de constatações, o que dota esta minha reflexão de alguma credibilidade quase científica.

Portanto, o carro para além das suas funções habituais e sobejamente conhecidas e para além das funções idiossincráticas que cada um de nós lhes dá (armazém, closet, central telefónica, escritório, restaurante, discoteca/estúdio de gravação, confessionário, etc. etc. etc.) tem uma outra função: almofada-mobile. O nome é inspirado naquelas situações novelescas em que a pessoa chega a casa, se atira em voo picado para cima da cama e chora agarrada à almofada como se não houvesse amanhã.

Tenho de parar com isto. É um péssimo hábito. É perigoso. As lentes de contacto ficam embaciadas e sujas do choro misturado com a máscara de pestanas, sombras e afins. Qualquer fungadela mais profunda nos faz distrair da estrada. E nem vou falar da necessidade de limpar o nariz, porque chorar feita doida sim, mas mantendo as condições básicas de higiene. Donzela que é donzela em apuros não deixa escorrer ranho pelo nariz. Ranho a cair do nariz elimina qualquer hipótese de encontrar o príncipe encantado (essa personagem ridícula, mas que serve de tema para um post, por si só). E as dores de cabeça? Se são como eu, choram a sério, o que implica dores de cabeça, dificuldades respiratórias e por aí fora. Portanto, factores de risco na condução. Sobretudo se já temos alguma predisposição para não sermos certos na estrada.

Mas o pior nem é o percurso em que vamos a expiar emoções. O pior é sair do carro. Com aquelas valentes trombas de quem acabou de criar um dilúvio em que nem os animais que iam na arca de Noé se salvaram. É enfrentar o mundo. Que no meu caso, costumam ser os cinco ou seis vizinhos que oportunamente estão à espera do elevador. E que ficam a olhar para o meu ar de carpideira borratada, porque não há maquilhagem que aguente (e mesmo que tente dar um jeito antes de sair do carro, olhos e nariz inchados não enganam ninguém), num silêncio constrangedor que se prolonga na viagem de elevador. 

Portanto, tenho mesmo que parar com isto. Para as pessoas que choram no carro como eu, resta-me dar-vos um conselho, ou dois, vá: sejam contidos, esperem até chegar a casa ou outro sítio qualquer onde não tenham de estabelecer contacto com outros humanos. Ou então não. Façam uma cena passiva-agressiva a quem vos incomodou e vão para o vosso destino tranquilas.